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JOÃO

Faz hoje dois anos que ele se mandou.

A última e única vez que o vi foi no lobby de hotel, no começo dos anos 90.

Eu estava com um amigo empresário italiano, seu amigo, e nunca mais voltei a vê-lo.

Que instigante trajetória de vida.

Nascido e criado no sertão brasileiro, já adulto busca o Sul, e altera as estrofes da música internacional.

E o faz sem dobrar a espinha, sem se curvar, sem adular, sem dar cotoveladas em ninguém, sem se associar a patotas.

Nunca reivindicou nada e se disseram que criou a bossa nova, tudo bem.

E, no entanto, nunca cobrou, se apresentou como tal.

Num inacreditável projeto estético, de forma pessoal e neurótica, numa batida de violão até então inexistente, reformatou a arte de cantar e tocar, lançou luzes sobre o passado, iluminou o futuro.

Canções engavetadas, que jaziam no cemitério das coisas sepultadas, renasceram, encontraram novas leituras, refundou a arte de coisas esquecidas.

Afastou-se, em verdade nunca se incluiu, das turmas, das patotas, e sua fixação, enquanto viveu, foram as cordas de seu violão.

Ganhou milhões, em diferentes moedas, viveu pelo mundo, ainda vivo virou lenda, foi celebrado pelos gênios, e sempre no canto dele, isolado, poucos, pouquíssimos amigos.

Pelo que se sabe, a morte de Miúcha já o fragilizou mais ainda, posto ter tido com ela uma filha, Bebel.

Ainda em vida foi encurralado pelas ambições, a nefasta madrasta, ameaçado de despejo nos imóveis onde tentou se recolher, assistiu aos filhos em luta explícita, assistiu à ambição das mulheres que amou.

Recentemente nos tornamos vizinhos, sabia do prédio onde morava, mas não sonhava mais vê-lo, apenas me emocionando com suas gravações, suas interpretações, seu violão eterno, desde que acionados por seus dedos.

Anos atrás aprendi com ele uma reflexão sábia, simples como a luz do Sol.

Não devemos visitar nunca onde no passado fomos felizes.

Ele fez essa confissão, baixinho, numa de suas raras visitas a Juazeiro, no sertão baiano, onde nascera.

Sabia que João estava confinado, no interior de um apartamento – rua Carlos Góis, Leblon – mas não mais desejava vê-lo, até porque nunca fomos além do encontro acidental, mencionado.

Sabia que se transformara numa ruína, num mundo onde ele nunca se sentiu à vontade.

João foi um artista, inovou a música popular, revolucionou, criou a Bossa Nova, trouxe admiração ao Brasil?

Parece que sim.

Mas antes de tudo João foi um homem sábio, um grande filósofo, sabendo que a vida não premia os bons, ele próprio conduzindo todas as dores do mundo.

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Edilson Martins é jornalista

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