Foi num curto período de férias, num lugar distante, deitado numa rede e ouvindo as ondas do mar de Morro de São Paulo, na Bahia, que uma melodia tocava ao fundo.
Era uma música famosa do baiano Gilberto Gil gravada em 1980 e que foi tema de novela na Globo e bastante badalada por anos seguidos.
A melodia, melancólica, escrita em primeira pessoa, revela um artista clamando para falar com Deus.
Vamos a letra:
SE EU QUISER FALAR COM DEUS (Gilberto Gil)
Seu quiser falar com Deus/ Tenho que ficar a sós/ Tenho que apagar a luz/ Tenho que calar a voz /Tenho que encontrar a paz /Tenho que folgar os nós/ Dos sapatos, da gravata/ Dos desejos, dos receios /Tenho que esquecer a data/ Tenho que perder a conta /Tenho que ter mãos vazias /Ter a alma e o corpo nus /Se eu quiser falar com Deus /Tenho que aceitar a dor /Tenho que comer o pão /Que o diabo amassou/ Tenho que virar um cão /Tenho que lamber o chão /Dos palácios, dos castelos/ Suntuosos do meu sonho /Tenho que me ver tristonho /Tenho que me achar medonho/ E apesar de um mal tamanho /Alegrar meu coração /Se eu quiser falar com Deus /Tenho que me aventurar /Tenho que subir aos céus/ Sem cordas pra segurar/ Tenho que dizer adeus /Dar as costas, caminhar /Decidido, pela estrada /Que ao findar vai dar em nada/ Nada, nada, nada, nada Nada, nada, nada, nada /Nada, nada, nada, nada/ Do que eu pensava encontrar…
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Ao final da poesia, Gil revela sua condição de ateu, de cético (e isso é um direito dele): o de não acreditar em Deus, num Criador de tudo e todos.
Pensativo, ponderei em respeitar a posição do artista. No dia anterior levara minha esposa para conhecer o famoso Camarote 2222 no início do circuito Barra/Ondina por onde os grandes artistas da música baiana desfilam seus trios não antes de pedir as bênçãos do próprio Gilberto Gil; este, como um Papa, permanece impávido na sacada de seu camarote acenando e dando bênçãos.
E lá estavámos nós na terra dele. De Gilberto Gil. Matutei com meus botões: “Essa música foi gravada em 1980. Lá se vão 37 anos. Com certeza ele já não pensa assim… Acho que isso dele ter dito na letra de que numa busca a Deus nada encontrou, não é possivel que não tenha mudado de opinião…”, pensei.
Ali mesmo empurrando meus pés contra a sacada do apartamento sentindo o balanço da rede, me ocorreu outro episódio quando, em 1921, perguntado pelo rabino H. Goldstein, de New York, se acreditava em Deus, o físico Albert Einstein respondeu:
“Acredito no Deus de Espinosa, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe, e não no Deus que se interessa pelo destino e pelas ações dos homens”
Einstein enfrentou críticas, e o cardeal O’Connel, de Boston, publicou uma declaração na qual dizia que a teoria da relatividade “encobre com um manto o horrível fantasma do ateísmo, e obscurece especulações, produzindo uma dúvida universal sobre Deus e sua criação”. Hoje o Papa parece conviver bem com a idéia de Deus ser uma força por trás do Big Bang, conciliando (na medida do possível) ciência e religião.
Seis anos depois, em uma carta escrita a um banqueiro do Colorado, Einstein explica: “Não consigo conceber um Deus pessoal que influa diretamente sobre as ações dos indivíduos, ou que julgue, diretamente criaturas por Ele criadas. Não posso fazer isto apesar do fato de que a causalidade mecanicista foi, até certo ponto, posta em dúvida pela ciência moderna. Minha religiosidade consiste em uma humilde admiração pelo espírito infinitamente superior que se revela no pouco que nós, com nossa fraca e transitória compreensão, podemos entender da realidade. A moral é da maior importância – para nós, porém, não para Deus”.
Deixando, com todo o respeito, os pensadores de lado, pessoalmente, com tanta beleza neste mundo, com tantas provas da grandeza de Deus e que nada somos, que nosso planeta é apenas uma “ervilha” em meio ao universo, tenho certeza absoluta que tanto Gil quanto Einstein, dois gênios, cada um em sua área, no alvorecer de suas vidas pensaram de outra forma. Só não tornaram públicas suas descobertas pessoais vividas entres eles e o Criador…
Eu mesmo, em Morro de São Paulo, na Bahia, conversei várias vezes com Deus. Agradeci pela vida, pelo privilégio de sentir a todo momento a presença dEle em cada centímetro que meus olhos esquadrinhavam o horizonte. Como no filme estrelado por Forrest Whitaker: tudo é uma questão de PONTO DE VISTA.
Vida que segue. Boa semana a todos.